Lágrimas Benditas - Mt 5:4
Rubem Amorese
Existem muitos tipos de choro, correspondentes às emoções que lhes dão origem. Há o choro do ódio, do inconformismo, do luto, do susto, da birra e tantos outros. Mas há um choro para o qual o consolo é promessa de Deus. Como aprender a chorar esse choro?
Nossa “consciência de consumidor”, em sintonia com o mercado, não sabe chorar esse choro; sabe exigir qualidade, sabe acionar o Procon. Nossos corações urbanos e “midiáticos”, bombardeados diariamente por doses maciças de violência, já não choram diante da tragédia. Nossas almas cidadãs, conduzidas à pusilanimidade por “pais” que nos provocam à ira com suas deslavadas mentiras eleitoreiras e terminam por matar nossos idosos nas filas do INSS, vertem lágrimas amargas e revoltadas. Nossos filhos, quando contrariados, choram como pivetes e sonham sair de casa.
Em todos esses casos, porém, as lágrimas benditas não são vertidas. E o consolo não lhes é garantido. Nem esperado.
Certamente, olhando para o contexto das bem-aventuranças, percebemos que este choro estará nos olhos e no coração do pobre de espírito; aquele que se vê fraco, incompetente, impotente, vulnerável e carente de Deus. Sim, ao mesmo tempo em que estende a mão para suplicar misericórdia, chora, tomado pela emoção do quebrantamento.
Quem há de herdar e povoar o reino dos céus? Certamente, por todo esse contexto, é aquele que não tem, pois há de receber; aquele que depende, pois há de ser ajudado; aquele que é fraco, porque o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza; os destituídos, pois a eles reserva-se graça; e os humildes e humilhados, de todo gênero, pois hão de ser exaltados.
Ora, se estiver correta essa interpretação, então podemos dizer que o choro bem-aventurado surge da aguda constatação da nossa fragilidade pessoal, da vulnerabilidade da nossa vida, da feiúra de nossas máscaras, da indecência da nossa vaidade e do ridículo das nossas “competências”, temporais e espirituais.
Quando digo “aguda constatação”, refiro-me a uma insuportável intensidade dessa percepção. Certamente, só tornada possível pela revelação do Espírito. Normalmente, encontrada em momentos verdadeiros de oração. O véu se retira de nossos olhos e somos “atropelados” pelo que o espelho nos mostra. O que nos resta fazer, diante dessa visão de nós mesmos, é chorar.
Sabe por que os bebês choram muito? Por que não têm recursos. Não sabem sair, por si mesmos, das situações de desconforto ou dor. São vulneráveis e dependentes. Quando crescemos, aprendemos a nos virar sozinhos. E não precisamos mais de ajuda; aprendemos a não nos colocar em situações desesperadoras. E passamos a ter vergonha de chorar, pois as lágrimas passam a denunciar nossa fraqueza. São constrangedora confissão de incompetência.
Mas quando o Espírito nos conduz à consciência da verdade sobre nós mesmos, rendemo-nos; vemos nossas forças reduzirem-se às de um bebê. E choramos. Lágrimas quentes, frágeis, dependentes, suplicantes, crédulas, esperançosas. Lágrimas que pedem misericórdia. Lágrimas libertadoras. Nesse momento sagrado, laços se rompem dentro de nós e percebemos que, por um instante, já não somos escravos das aparências, “auto-estimas” e vaidades que nos aprisionavam. Somos livres para derramar todo o nosso coração em rendição e súplica. Bem-aventurados os que choram assim, pois hão de ser consolados.
Você conhece um personagem bíblico que chorava muito? Lembro-me de um que, apesar de grandes defeitos pessoais, que o levaram a grandes pecados, tinha o coração afinado com o de Deus. Em que poderia consistir tal sintonia? Ao ponto de se dizer que era "um homem segundo o coração de Deus”? Acredito que o segredo de Davi era o dom da contrição. Ele oscilava entre o tomar as rédeas da vida nas mãos (com lamentáveis conseqüências) e entregá-las, inteiramente, a Deus, com grande choro. Veja como ele se confortava com a confiança de que Deus não o abandonaria: “Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus” (Sl 51:17).
Acredito que o consolo prometido por Jesus se destina ao choro da contrição: lágrimas provenientes de nossa falência, que faz buscar misericórdia e perdão, como o ar para os pulmões.
Os que choram assim serão consolados. Porque quem vive de seus próprios recursos espirituais não precisa do vexame e da humilhação da contrição. Mas esse mesmo vive à mingua de Deus. Quem consegue se fazer sozinho não precisa de ajuda. Muito menos de consolo.
Ao homem autônomo, solitário, narcisista, melancólico e resolvido do Século XXI, a voz de Jesus convida assim: Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.
Rubem Amorese
Existem muitos tipos de choro, correspondentes às emoções que lhes dão origem. Há o choro do ódio, do inconformismo, do luto, do susto, da birra e tantos outros. Mas há um choro para o qual o consolo é promessa de Deus. Como aprender a chorar esse choro?
Nossa “consciência de consumidor”, em sintonia com o mercado, não sabe chorar esse choro; sabe exigir qualidade, sabe acionar o Procon. Nossos corações urbanos e “midiáticos”, bombardeados diariamente por doses maciças de violência, já não choram diante da tragédia. Nossas almas cidadãs, conduzidas à pusilanimidade por “pais” que nos provocam à ira com suas deslavadas mentiras eleitoreiras e terminam por matar nossos idosos nas filas do INSS, vertem lágrimas amargas e revoltadas. Nossos filhos, quando contrariados, choram como pivetes e sonham sair de casa.
Em todos esses casos, porém, as lágrimas benditas não são vertidas. E o consolo não lhes é garantido. Nem esperado.
Certamente, olhando para o contexto das bem-aventuranças, percebemos que este choro estará nos olhos e no coração do pobre de espírito; aquele que se vê fraco, incompetente, impotente, vulnerável e carente de Deus. Sim, ao mesmo tempo em que estende a mão para suplicar misericórdia, chora, tomado pela emoção do quebrantamento.
Quem há de herdar e povoar o reino dos céus? Certamente, por todo esse contexto, é aquele que não tem, pois há de receber; aquele que depende, pois há de ser ajudado; aquele que é fraco, porque o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza; os destituídos, pois a eles reserva-se graça; e os humildes e humilhados, de todo gênero, pois hão de ser exaltados.
Ora, se estiver correta essa interpretação, então podemos dizer que o choro bem-aventurado surge da aguda constatação da nossa fragilidade pessoal, da vulnerabilidade da nossa vida, da feiúra de nossas máscaras, da indecência da nossa vaidade e do ridículo das nossas “competências”, temporais e espirituais.
Quando digo “aguda constatação”, refiro-me a uma insuportável intensidade dessa percepção. Certamente, só tornada possível pela revelação do Espírito. Normalmente, encontrada em momentos verdadeiros de oração. O véu se retira de nossos olhos e somos “atropelados” pelo que o espelho nos mostra. O que nos resta fazer, diante dessa visão de nós mesmos, é chorar.
Sabe por que os bebês choram muito? Por que não têm recursos. Não sabem sair, por si mesmos, das situações de desconforto ou dor. São vulneráveis e dependentes. Quando crescemos, aprendemos a nos virar sozinhos. E não precisamos mais de ajuda; aprendemos a não nos colocar em situações desesperadoras. E passamos a ter vergonha de chorar, pois as lágrimas passam a denunciar nossa fraqueza. São constrangedora confissão de incompetência.
Mas quando o Espírito nos conduz à consciência da verdade sobre nós mesmos, rendemo-nos; vemos nossas forças reduzirem-se às de um bebê. E choramos. Lágrimas quentes, frágeis, dependentes, suplicantes, crédulas, esperançosas. Lágrimas que pedem misericórdia. Lágrimas libertadoras. Nesse momento sagrado, laços se rompem dentro de nós e percebemos que, por um instante, já não somos escravos das aparências, “auto-estimas” e vaidades que nos aprisionavam. Somos livres para derramar todo o nosso coração em rendição e súplica. Bem-aventurados os que choram assim, pois hão de ser consolados.
Você conhece um personagem bíblico que chorava muito? Lembro-me de um que, apesar de grandes defeitos pessoais, que o levaram a grandes pecados, tinha o coração afinado com o de Deus. Em que poderia consistir tal sintonia? Ao ponto de se dizer que era "um homem segundo o coração de Deus”? Acredito que o segredo de Davi era o dom da contrição. Ele oscilava entre o tomar as rédeas da vida nas mãos (com lamentáveis conseqüências) e entregá-las, inteiramente, a Deus, com grande choro. Veja como ele se confortava com a confiança de que Deus não o abandonaria: “Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus” (Sl 51:17).
Acredito que o consolo prometido por Jesus se destina ao choro da contrição: lágrimas provenientes de nossa falência, que faz buscar misericórdia e perdão, como o ar para os pulmões.
Os que choram assim serão consolados. Porque quem vive de seus próprios recursos espirituais não precisa do vexame e da humilhação da contrição. Mas esse mesmo vive à mingua de Deus. Quem consegue se fazer sozinho não precisa de ajuda. Muito menos de consolo.
Ao homem autônomo, solitário, narcisista, melancólico e resolvido do Século XXI, a voz de Jesus convida assim: Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.
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